Viúva Negra em os Vingadores - Erros e acertos da representação feminina nos quadrinhos






Correndo o risco de ser chamada de feminazi, assumo que, às vezes, a forma como as super heroínas são tratadas pela Marvel me incomoda. Principalmente porque questões básicas sobre e empoderamento feminino, muitas vezes são relegadas ao lugar comum e personagens tão interessantes, como a Viúva Negra - para falar da formação de Avenger que conhecemos- são subutilizadas.

Calma, por favor, não pare de ler agora! Vem entender o que eu estou falando:


A formação dos vingadores





Toda formação dos Vingadores, desde os tempos áureos, abre espaço para a mulher. É uma questão de cota. No grupo que a Marvel levou ao cinema, a mulher da vez poderia ser a Vespa, mas foi a Natasha. Quando falei que isso era uma questão de cota, eu não estava brincando. Era preciso, para que o grupo tornasse-se completo, que uma mulher fosse inserida e eu elenco os motivos:

1) Quadrinhos são pra meninos.

Por favor, guarde o seu martelo e não me leve para a cruz. Já corrijo aqui a minha hipérbole. Quadrinhos de Super Heróis começaram como uma mídia focada no público masculino, consumida majoritariamente por eles e, por isso, feita para eles. Até hoje, por mais que haja uma abertura, os homens consomem mais HQ. Sendo feita para esse público, era necessária a presença de uma mulher. Por que eles eram adolescentes tarados? Também. Não dá para negar que os meninos, ao lerem quadrinhos, gostam de ver mulheres bonitas, gostosas e ativas. Mas, não foi só isso. A mulher entra nessa porque faz parte da vida de qualquer homem, um grupo de machos seria muito estranho - podendo até gerar uma sensação de homossexualidade -principalmente no período em que os quadrinhos foram criados.

Aí entramos no próximo tópico...


2) Quadrinhos são verossímeis

Parece burro, bobo, babaca e feio dizer isso, e até loucura, mas quadrinhos são muito próximos à realidade. Eles não precisam ser reais, mas devem ter semelhança, precisam ser críveis. Um dos trunfos da Marvel, desde o seu surgimento, foi a capacidade de assimilar coisas que aconteciam no âmbito social e inserir isso no seu universo. Aí você me pergunta: O que essa aula tem a ver com os Vingadores? R: Bem, The Avengers é uma HQ dos anos sessenta, ano de abertura e renovação nos Estados Unidos. As mulheres estavam na rua, na labuta, na lida e em qualquer outra metáfora que possa lhe fazer entender que elas trabalhavam e com isso colocavam dinheiro em casa e com isso faziam parte da sociedade e com isso estavam em todo lugar e que com isso deveriam estar também nos quadrinhos. Ufa...

Isso nos leva ao próximo tópico.


3) As Mulheres também importam

Daí, que o mundo passou a entender uma coisa:a mulher também importa e, se ela está em todo o lugar, faz parte da sociedade. Sendo assim, precisa ser retratada por outro motivo: porque a mulher também pode comprar. Naquele momento, as moçoilas querem se ver, se identificar. Ser a namorada do super herói já não satisfaz. Ela quer ser a super heroína: que é bonita, inteligente, brava, forte, ágil... enfim... Ela é super. Como é a mãe que tá trabalhando e também cuidando da casa. Aquela mesma da foto do We can do it.  Só que nem toda mulher, por mais brava, forte, inteligente e gostosa que seja, é tudo-isso-ao-mesmo-tempo-agora como retratado nas HQs. 


A formação dos Vingadores – Parte II


Para que eu explique melhor, vamos retornar à formação de Vingadores que conhecemos. Thor, Capitão América, Homem de Ferro, Hulk, Gavião Arqueiro e Viúva Negra. Pois bem, todo mundo aí tem suas falhas - tirando o Capitão América. São humanos, demasiadamente humanos. Até o Thor, que não é humano, sente ciúme, tem problema com o irmão, se apaixona por uma mortal em 5 segundos... Sascoisa que qualquer um de nós faz. 


A Viúva Negra também. E é isso que me incomoda.


Explico: essa heroína, em especial, para ser encarada como tal, deve assumir características masculinas e ao mesmo tempo ser hipersexualizada.



Vamos dividir isso aí que eu falei?


Ao citar características masculinas, na verdade me refiro a outro conceito. O de mito. Quando eu falo em mito, eu não falo lá dos deuses gregos, mas da noção que o semiólogo e filósofo francês Roland Barthes apresenta. O autor define mito como uma mensagem, um conceito dependente e construído em um contexto, uma cadeia de significados, que existem antes dele.  Ou seja, a grosso modo, esses mitos nos ajudam a fazer interpretações, julgamentos e criar significado para as coisas e pessoas a nossa volta. Ou seja², mitos não são necessariamente pessoas. 


Bem cabeção, né? Mas eu vou dar um exemplo. Socialmente alguns valores são ligados à mulher e outros ao homem. Ex: O homem é forte, a mulher é o sexo frágil. O homem é bravo, a mulher é doce. Todas essas coisas são mitos (homem = forte, mulher =frágil). Não estou entrando, ainda, na questão de certo ou errado, só estou explicando.


Pois bem. Muitas vezes, nos quadrinhos, para que a mulher se torne uma super heroína ela tem que assumir mitos masculinos. Isso quer dizer que ela tem que ser forte, brava, inteligente, e abandonar os mitos femininos - doce, meiga, frágil. Acredito que seja até porque o mito super herói não casa bem com o mito feminino.


No Universo dos Vingadores dá pra ver isso muito bem. As mulheres meigas, femininas, apesar de bravas e inteligentes, geralmente só assumem o papel da namorada, vide Pepper Potts e Jane. Lá quem é a Super Heroína é a mulher brava, forte, inteligente e independente, que é a Natasha. Quando ela é humana, como mostrou algumas vezes ser com o Hulk, esses momentos são reconhecidos como relances de fraqueza, reflexo de sua natureza feminina.


Uma mulher, que conserva as características mitológicas do feminino, não é alçada ao posto de heroína. Não sem ser dependente de um homem. É o que, por exemplo, acontece com a Pepper Potts nos quadrinhos. Ela herda do Homem de Ferro um traje, ele é quem lhe concede o direito de ser Super Heroína. Ela não chega lá sozinha.


Outra questão a apontar é que a mulher brava, forte e inteligente, como a Natasha, por vezes, é uma personagem solitária. Ela não tem um relacionamento que dure, aberto e declarado como as demais. A super heroína é, digamos, punida, por ter uma postura masculina. Isso é mais uma aproximação do mito masculino, do mito do Super Herói, que tem que ser solitário. Vamos parar aqui para dar uma salva de palmas pra Marvel nesse ponto.


Vamos então para a minha segunda questão: a hipersexualização



Não existe problema nenhum que a Natasha use sua sexualidade para conquistar as coisas. Isso é também, de certa forma, uma questão de empoderamento. Eu só fico me perguntando porquê os agentes secretos do sexo masculino, como o Nicky Fury, não têm que fazer isso. Mas, assim, cada um usa as armas que tem...


De qualquer forma, me incomoda que a sexualidade, a sedução, só seja uma arma feminina.


Mas, se é assim, que a Viúva seja mostrada mais como a Valesca Popozuda que é. Que grita: "EU DOU MESMO!! EU DOU PRA QUEM EU QUISER!!" Mas porque ela quer, não porque seu  trabalho exige isso. 


No Homem de Ferro II ela está lá pra flertar com o Tony Stark, porque o Nick Fury quer informações dele.Nos Vingadores ela vai buscar o Hulk e flerta com ele, porque o Nick Fury pediu para ela flertar. Em Capitão América ela fica toda amiguinha do Caps, também a pedido do Nick Fury. Tudo bem, ela tá fazendo o trabalho dela. Mas, a Viúva Negra tem que flertar com todo mundo para isso? Ela não é super inteligente?  


Isso me faz repetir uma pergunta que eu fiz para as meninas do blog no grupo do WhatsApp. Se parte do trabalho da agente secreta é conseguir as coisas por meio de sexo, ou pela possibilidade de, qual é a diferença entre ser uma agente secreta e ser uma prostituta?


(Só para deixar claro aqui, também acho que prostituição pode ser vista e usada como uma forma de empoderamento feminino. Não tô criticando) 


Outra coisa que me incomoda profundamente é que a personagem fica lá, muitas vezes, pra servir de muleta. Tudo bem, jogue a primeira pedra a pessoa que nunca foi muleta de ninguém... Mas rola aí um exagero. Um bom exemplo é uma cena do Homem de Ferro II, em que ela Nicky Fury e Iron Man se encontram... Veja como a presença da Natasha ali é sem proposito. Ela chega, o Iron Man baba, ela assenta, o Nick Fury fala, ela espera a deixa, fala alguma coisa altamente inteligente e saí.


Ora, essa pessoa, que é altamente inteligente, não deveria seguir cegamente as ordens de ninguém. Em Capitão America II ela enfim desenvolve uma coisa bem simples: identidade. 


Ou seja.  A Viúva é sim um personagem foda, e é a principal personagem feminina de Vingadores, por isso, precisava de outro tratamento.  Precisava de mais cuidado, para não se resumir à Piriguete Misteriosa, que nem um filme solo ganha. E olha que ela merecia, e seria um sucesso. Quem não gostaria de ser a Viúva?

As imagens que ilustram este post são do fotógrafo Edy Hardjo. Veja mais do trabalho dele em sua página no Facebook 

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